quinta-feira, 5 de março de 2009

Igreja: Cartas de Cristo (II Coríntios 3: 1-3)

Por Fillipe da Matta Cerqueira

As cartas foram por milhares de anos, a principal forma de comunicação entre pessoas, entidades, povos, etc. Com o avanço recente da tecnologia, principalmente na área das telecomunicações, as cartas perderam muito o significado que tinham até pouco tempo atrás, principalmente com o surgimento da internet, e a velocidade de informações que ela proporciona.

Se até muito pouco tempo atrás, as cartas tinham grande função e eram extremamente importantes, essa realidade era ainda mais forte no tempo do Apóstolo Paulo, quando eram praticamente o único meio de comunicação e troca de informações, tornando-as essenciais naquele contexto.

As cartas de recomendação eram cartas usadas por aqueles que queriam se apresentar e apresentar seus serviços a alguém, tinham uma função um pouco parecida com os currículos em nossos dias. Obviamente eram cartas onde os remetentes destacavam suas qualidades, tentando fazer-se conhecidos de maneira positiva por aqueles que a recebiam.

A igreja de Corinto era sem dúvida a que Paulo tinha mais problemas. Corinto era uma cidade portuária, e portanto, recebia a influência positiva e negativa de várias culturas, que também se refletia negativamente na igreja. Uma dos principais problemas enfrentados por Paulo naquela igreja, era a glória que aqueles irmãos gostavam de ostentar.

Nesse contexto que Paulo estava enfrentando mais uma vez, a objeção dos crentes de Corinto que, influenciados por falsos apóstolos que se apresentavam a igreja de Corinto com cartas forjadas e pervertiam a fé de muitos crentes, questionavam o seu apostolado e pediam a ele também cartas de recomendação do seu ministério.

Paulo então começa a mostrar-lhes novamente as verdades do evangelho, evidenciando o seu testemunho como principal argumento contra a objeção dos cristãos de Corinto.

1. Carta de Cristo: escrita para todos os homens (vs. 1 e 2)

Calvino, em seu comentário de 2 Coríntios, afirma que Paulo somente responde às críticas sofridas por entender que a honra de seu apostolado estava em xeque, isso para a edificação da igreja, pois o enfraquecimento de sua autoridade poderia trazer sérios prejuízos aos coríntios.

Ele inicia mostrando-lhes a sua acusação, deixando claro que os boatos que circulavam no meio deles não estavam sendo ignorados. Assim, Paulo começa exortando os crentes de Corinto sobre um velho problema na igreja: as proclamações egoístas de suas próprias virtudes, que é o real significado do termo recomendar empregado no texto, ou louvar a si mesmo, conforme a versão revista e corrigida nos traz.

Paulo afirma, com toda ousadia e firmeza, que as cartas de recomendação de seu ministério que os coríntios pediam, eram suas próprias vidas, transformadas pelo evangelho restaurador de Jesus. É como se ele dissesse: se sois cristãos, eu tenho abundante recomendação. A própria fé de vocês é que me recomenda!

A expressão “conhecida e lida” pode também ser traduzida como “conhecida e reconhecida”, já que o verbo grego usado nessa construção tem duplo sentido e permite tal interpretação, isso porque a carta de Cristo está sendo constrastada com aquelas que eram falsas. Com isso podemos afirmar que Paulo estava assim, mostrando que seu ministério era reconhecido por todos que viam nos crentes de Corinto a ação restauradora do Evangelho.

A igreja, que somos cada um de nós, também precisa ser reconhecida por todos os que estão ao seu redor, como o povo escolhido por Deus, lavados pelo sangue de Jesus, como aqueles que vivem diariamente a mudança causada pelo evangelho. Assim como as cartas eram, e ainda são, usadas para se comunicar algo, nossas vidas devem comunicar aos que nos rodeiam as verdades vivas do evangelho de Cristo, impactando a vida dos que a lêem.

A mensagem da Cruz está escrita em nós para que levemos as boas novas a todas os homens. O objetivo de uma carta não é ficar escondida, sem ter um destino. Ela é escrita para chegar até alguém fazendo-o saber o seu conteúdo. Jesus na grande comissão registrada em Mateus 28. 19-20, nos envia como cartas vivas a todas as nações para pregar e fazer discípulos.

Nós não fomos chamados por Deus para sermos cartas fechadas, guardadas em gavetas, sem chegar ao destino que fora estabelecido. Nós somos as cartas de Cristo para o mundo e o destinatário não é apenas uma pessoa ou um povo, e sim, toda a humanidade com o objetivo de trazer salvação para os que a lêem. Portanto, não podemos deixar de levar a mensagem da salvação, principalmente através do nosso testemunho.

2. Carta de Cristo: escrita pelo Espírito Santo (v. 3)

Como toda carta tem um autor, as cartas mencionadas por Paulo também o tinham. Continuando com sua defesa, Paulo diz que os coríntios eram cartas de Cristo, porque sua fé era obra dele. O apóstolo diz que a carta foi ministrada por ele mesmo, como um instrumento nas mãos do Autor da carta que era Cristo, através da ação do Espírito Santo na vida deles.

Com isso, Paulo coloca sobre os ombros dos crentes de Corinto, o entendimento de que teriam que tratar com o próprio Senhor Jesus caso insistissem em falar maliciosamente contra o seu ministério, ministério este conferido pelo próprio Cristo.

Apesar de dizer que foi através de seu ministério que Deus, através do Espírito Santo, escreveu tais cartas, em nenhum momento Paulo anseia qualquer tipo de glória por isso, pelo contrário, o apóstolo deixa cada vez mais claro que por nós mesmos não somos capazes nem mesmo de pensar coisa alguma como vemos no versículo 5 do mesmo capitulo 3 de 2 Coríntios.

Essa atitude de sempre dar a glória de seus feitos a quem realmente merece, sempre esteve presente na vida e no ministério do apóstolo Paulo. Ele sempre teve bem claro em sua mente e coração que tudo o que possuía, tudo o que ele era e tudo o que havia alcançado com seu ministério, não vinha dos seus próprios esforços, mas sim da graça abundante de Deus em sua vida.

Portanto, ao afirmar que os cristãos de corinto eram cartas de Cristo ministradas por ele, mas escrita pelo Espírito Santo, Paulo mais uma vez não permite a si mesmo qualquer resquício de glória, tributando-a ao único Deus que é digno de toda a glória.

Assim como Paulo, precisamos ter sempre essa consciência firme em nossas vidas de que tudo que somos, temos e alcançamos, é unicamente pela graça de Deus. Portanto, não devemos pensar que é por nossos próprios méritos que vamos conseguir ser lidos e reconhecidos pelos homens.

Devemos deixar que o Espírito Santo escreva em nós a mensagem que Ele quer levar ao mundo. Não adianta tentarmos escrever aquilo que queremos, pois seremos como as cartas forjadas que pervertiam os coríntios. É através da nossa comunhão com Deus através da leitura de Sua Palavra e da oração, que deixamos que o Espírito coloque conteúdo em nossas vidas, para que possamos ser suas testemunhas a todas as nações.

Estamos vivendo dias onde um outro evangelho tem sido pregado e infelizmente tem crescido. Um evangelho antropocêntrico, onde o homem é o centro de tudo e Deus é apenas um serviçal a nosso dispor, um evangelho fácil, um evangelho sem renúncia e pior, um evangelho sem Cruz. É a essa realidade que devemos responder com um testemunho diferente, uma vida transformada para que sejamos lidos e reconhecidos como verdadeiros servos do Deus Supremo.

Diante de tantas opções tentadoras que o mundo coloca diante de nós, não é fácil sermos cartas de Cristo que levam a verdadeira mensagem do Evangelho. Portanto devemos ter a mesma consciência e submissão ao Deus Supremo que existiu no apóstolo Paulo, para deixarmos que o mundo nos leia, sabendo que nada do que façamos, o fazemos por nós mesmos e sim pelo agir de Deus em nossas vidas através do Seu Espírito efetuando em nós tanto o querer como o realizar, segundo sua boa vontade (Filipenses 2. 13).

3. Carta de Cristo: escrita em nossos corações (v. 3)

A terceira característica das Cartas de Cristo é que elas foram escritas nos corações humanos. Paulo começa aqui a fazer uma comparação entre Lei e Evangelho, Antiga e Nova Aliança. O papel utilizado pelo Espírito em cada uma dessas cartas é o coração de cada um dos crentes em Cristo. Na antiga aliança Deus escreveu sua Lei em tábuas de pedra, lei que deveria ser obedecida por todos os membros do povo de Israel, sem distinção.

Paulo está fazendo alusão às promessas feitas em Jeremias 32 e Ezequiel 36 com referência à graça da nova aliança. Farei com eles aliança eterna; e porei o meu temor no seu coração para que nunca se apartem de mim (Jr 32. 40)... Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis (Ez 36. 26 e 27). Diferentemente da primeira aliança, transitória e imperfeita, Deus promete dar-lhes uma nova aliança, agora eterna e sem defeito, aliança firmada na morte e ressurreição de Jesus.

Paulo declara que esta promessa se cumpriu em sua pregação, dando mais uma prova evidente de que ele é um fiel ministro da nova aliança, mais uma legítima recomendação do seu apostolado.

Paulo mostra que onde havia tábuas de pedra, agora existem tábuas de carne. Carne aqui não é usada num sentido pejorativo, mas sim significando gentil, educado, em contraste com de pedra, duro e obstinado, que é a condição normal do coração humano até que o mesmo tenha sido moldado pelo Espírito de Deus.

É no coração humano que Deus escreve sua Lei, uma nova aliança selada por Cristo na cruz, não da letra que mata, mas do Espírito vivificador que transforma, renova, restaura e justifica (v. 6). O nosso coração é onde Deus trabalha, é nele que Deus age para que possamos viver a cada dia segundo sua vontade, levando o seu evangelho.

Quando Paulo faz a comparação entre letra e espírito, ele faz mais uma comparação entre Lei e Evangelho. Por letra Paulo se refere àquela pregação externa que não alcança o coração; e por Espírito, a pregação vivificante que, pela graça de Deus, opera de maneira eficaz as almas dos homens.

A verdadeira religião é a busca por uma vida de comunhão com Deus e não princípios moralistas e legalistas. Essa é a principal diferença da nova para a antiga aliança, onde a busca pelo cumprimento da Lei apenas como obrigação religiosa, acabava os afastando da presença de Deus.

Carecemos dia-a-dia de sermos moldados por Deus para que nosso coração não se endureça pelo pecado impedindo que Deus escreva novas páginas em nossas vidas. Nosso coração é a base onde será gravada a mensagem que levaremos como cartas de Cristo. Portanto, precisamos cuidar para que o ele esteja limpo, branco como uma folha nova, para que a tinta de Deus não seja ofuscada pela sujeira do pecado e o mundo não consiga ler a mensagem contida na carta de Deus.

Conclusão

Como verdadeiras cartas de Cristo, a igreja precisa a cada dia levar a mensagem do evangelho a todos os homens, conscientes de que é através de Seu Espírito que Deus escreve o roteiro da salvação em nossos corações, para que por onde passarmos, sejamos conhecidos, lidos e, principalmente, reconhecidos como filhos eleitos de Deus, salvos por sua graça e misericórdia evidenciada no plano da Salvação pela cruz de Cristo.

A mensagem que Deus quer escrever em nossos corações e transmitir ao mundo perdido, é uma mensagem de esperança para todos aqueles que se encontram mortos em seus delitos e pecados, perdidos nas trevas, sem a esperança que só Cristo pode dar.

Soli Deo Gloria!

Pela Coroa Real do Salvador!

Fillipe é membro da 2ª IPI de Volta Redonda-RJ e moderador deste Blog.